Os sambas de enredo do Rio de Janeiro — Grupo Especial
Reconstrução de imagem no alcance nacional, compositores motivados, pandemia e até TV Globo ajudam resultado que confirma tendência positiva na safra de sambas-enredo do Grupo Especial carioca
Com a safra de sambas de enredo fechada nas escolas do Grupo Especial do Rio de Janeiro, é possível assegurar que o resultado geral, mais uma vez, consegue manter a boa fase do gênero. Tendo várias propostas distintas seja no formato ou no modo de contar a história, as composições conseguem dialogar com o público fissurado do ano inteiro — a famigerada bolha — e também com os foliões de ocasião que se interessam pontualmente pelo universo da Marquês de Sapucaí, o que comprova, desse modo, a capacidade de renovação que a folia e os desfiles detém.
É importante ressaltar que tudo isso é fruto de um processo iniciado no Carnaval de 2012 no gênero que conseguiu dar arejo para as trilhas. Com novos formatos e compositores que arriscaram sair da fórmula batida e desgastada dos anos 2000, onde a regra era o famigerado 10–4–10–4 sem brilho algum melódico e trazendo mera de descrição do enredo (parece familiar, São Paulo?), a qualidade do samba de enredo virou discussão novamente entre os sambistas, mas ainda faltava furar a bolha. Após os desfiles de 2018 — principalmente Beija-Flor de Nilópolis e Paraíso do Tuiuti -, o que era dito, cantado e falado na Sapucaí passou a ecoar fora dali.
Matérias de grande alcance, imagens de alto impacto — quem não lembra do prédio da Petrobras ou do Vampirão com faixa presidencial? — e debate sobre como o posicionamento das agremiações na esfera político-social pode servir, no longo prazo, de fotografia daquele momento serviram de pauta no universo carnavalesco.
Em 2019, isso se ampliou com o alcance sobrenatural do desfile da Estação Primeira de Mangueira sobre o Brasil que a história não conta. A apresentação que quebrou o paradigma da versão oficial para dar luz a um manifesto para muitas minorias foi sucesso absoluto.
Em 2020, muitas escolas seguiram esse caminho mesmo que fora de uma questão panfletária ou tão propagada. Grande parte das composições tinham versos que sublinhavam críticas e, assim sendo, conseguiam invadir o coração de quem estava dentro ou fora do público carnavalesco através da inserção no contexto de dia-a-dia das pessoas.
Versos como “O Rio pede socorro”, “Não tem bispo e nem se curva a capitão”, “Sorrir é resistir”, “E o país inteiro assim sambou, caiu na Fake News”, “Não tem futuro sem partilha, nem Messias com arma na mão”, “E o desabafo sincopado da cidade” apareceram num mesmo CD e criaram, claro, a sensação de que as escolas de samba estão dentro de um universo maior e que sabem disso, podendo, enfim, dividir seus sentimentos com o do público.
Critérios de Julgamento
No Quesito Samba-Enredo o Julgador irá avaliar a Letra e a Melodia do Samba-Enredo apresentado, respeitando-se a licença poética.
Para conceder notas de 09 à 10 pontos, o Julgador deverá considerar:
LETRA (valor do sub-quesito: de 4,5 à 5,0 pontos)
• a letra poderá ser descritiva ou interpretativa, sendo que a letra é interpretativa a partir
do momento que contar o Enredo, sem se fixar em detalhes.
Considerar:
• a adequação da letra ao enredo;
• sua riqueza poética, beleza e bom gosto;
• a sua adaptação à melodia, ou seja, o perfeito entrosamento dos seus versos com os
desenhos melódicos;
MELODIA (valor do sub-quesito: de 4,5 à 5,0 pontos)
Considerar:
• as características rítmicas próprias do samba;
• a riqueza melódica, sua beleza e o bom gosto de seus desenhos musicais;
• a capacidade de sua harmonia musical facilitar o canto e a dança dos desfilantes.
Não levar em consideração:
• a inclusão de qualquer tipo de merchandising (explícito ou implícito) em Sambas Enredo;
• a eventual pane no carro de som e/ou no sistema de sonorização da Passarela;
• questões inerentes a quaisquer outros Quesitos.
Além dos pontos citados que ajudaram a reconstruir a imagem de alcance regional e nacional do evento, para 2022, três pontos ainda ajudam a entender ainda mais o sucesso da safra.
1) A pandemia e a saudade do Carnaval deixaram os compositores com um “ócio do bem” ajudando a sair do lugar-comum e do toque de caixa que as disputas entrelaçadas exigem. Com um espaçamento temporal maior, surgiu mais tempo para elaborar ideias e fórmulas que estejam distintas do que é natural para o gênero, trazendo, desse modo, o efeito de novidade.
2) Os temas, mais uma vez, estão dentro da proposta de diálogo com as comunidades sem deixar de servir como um cenário de comunicação nacional. Se Exu e Oxóssi apresentam vertentes de desmitificação importantes para uma sociedade que ainda vê os orixás com desconfiança, Waranã, Resistência e Empretecer o Pensamento falam sobre temas do dia-a-dia como os índios — vilanizados pelo atual governo — e os negros, outra parcela da sociedade que sofreu retrocessos inacreditáveis promovidos pela gestão nacional nos últimos três anos. Tudo isso é complementado com homenagens para Arlindo Rodrigues, histórico carnavalesco, Cartola, Jamelão e Delegado, figuras importantes da Mangueira, e Martinho da Vila, sambista nacionalmente conhecido, homenageado pela Vila Isabel. Falar e servir como elemento panfletário para o alcance de uma esfera maior também é um segredo dessa fórmula.
3) O Seleção no Samba. O novo programa da Globo ajudou a promover e movimentar as escolas de samba. De formato didático e explicativo tirou o peso da pressão de torcidas numa final de samba-enredo e deixou as agremiações mais tranquilas para tomarem a decisão que achavam melhor. Mesmo que a gente discorde de alguma escolha, nenhuma delas foi sem o desejo preponderante do que a diretoria de cada agremiação achava mais adequado para o seu projeto de desfile. Isso, por exemplo, facilitou inovações como a carta da Viradouro ou até mesmo o ousado samba da Vila Isabel a vencerem influências externas rumo ao apogeu na Sapucaí. Mesmo que não seja definitivo, o especial da emissora parceira da Liesa já deixou um impacto positivo no próximo evento.
Com os ingredientes da receita expostos, é fácil entender o sabor delicioso do bolo que o CD oferece para os sambistas. Mesmo com uma gravação de gosto duvidoso, não há amante da folia que não escute e já se imagine na Sapucaí no Carnaval da redenção. Nos próximos textos, o leitor vai conhecer, em detalhes, mais das trilhas e dos enredos de cada uma das doze escolas que vão se apresentar no domingo e na segunda-feira na passarela carioca.